Desafios para a Segurança Energética na Colômbia
- Prof. Edmar de Almeida
- 31 de mai. de 2020
- 6 min de leitura
Prof. Edmar de Almeida
Artigo preparado para a audiência pública do Senado da República da Colômbia sobre Segurança Energética, realizado no dia 29 de Maio de 2020.
A segurança energética é uma situação de baixa vulnerabilidade do sistema energético nacional. Mas, quais seriam as dimensões da vulnerabilidade do sistema energético? Uma forma de descrever a vulnerabilidade é a utilização das dimensões que ficaram conhecidas como 4 A’s: Availability, Affordability, Acceptability, Accessibility. Ou seja, para discutir a segurança energética é necessário ter em conta quais são os atributos desejáveis para o suprimento energético de um país.
Considerando as dimensões dos 4 A´s, é possível avaliar o quão seguro está o suprimento energético atual e futuro de um país. Um país pode ter uma disponibilidade abundante de energia atendendo a dimensão Availability. Mas se esta energia for cara, não tiver acessível a parcelas significativas da população, e provocar poluição não desejável pela cidadania, terá falhado dos outros 3 A´s.
Assim, a promoção da segurança energética é muito mais que não deixar faltar energia. É preciso garantir que a energia oferecida ao país tenha um custo compatível com o poder aquisitivo da população, que esteja disponível para todos, e que produzida a partir de fontes energéticas que sejam aceitáveis pelas pessoas.
Com base nestas dimensões explicitadas acima, é possível afirmar que a maioria dos países enfrentam grandes desafios para garantir a segurança energética. Isto ocorre porque existe uma percepção da sociedade de que as atuais fontes energéticas dominantes não são mais aceitáveis por contribuir para o aquecimento global.
A matriz energética mundial ainda é altamente dominada pelos combustíveis fósseis, onde o petróleo o gás natural e o carvão respondem por 83% de todo o consumo de energia primária no mundo. Novas energias renováveis, como biocombustíveis e geração de energia solar e eólica, representam apenas 6% da matriz energética mundial. A matriz colombiana é mais renovável que a média mundial, entretanto, as fontes fósseis ainda representam 75% do mix energético nacional.
A descarbonização da matriz energética constitui um elemento fundamental da segurança energética atualmente. Para garantir uma matriz energética aceitável não apenas pela cidadania colombiana, mas também na comunidade internacional, será necessário promover uma transição da matriz energética para fontes renováveis da energia. Este desafio, torna o tema da segurança energética muito mais complexo do que era no passado. O desafio que todos os países deverão enfrentar nos próximos anos será como conciliar a dimensão Acceptability com as outras três dimensões da segurança energética, em particular com a Affordability.
A conciliação das 4 A`s vai requerer uma política energética muito sofisticada. As formas de intervenção do setor público tradicionais não são mais suficientes e efetivas para garantir a conciliação dos 4`s. Não se trata mais de criar empresas energéticas estatais ou desenhar regulações e incentivos financeiros para promover investimentos em sistemas energéticos conhecidos e tecnologicamente estabilizados. Estamos falando de viabilizar investimentos em sistemas energéticos em mutação e onde empresas privadas inovadoras são os protagonistas principais.
Neste momento, não sabemos exatamente quais são as fontes energéticas que dominarão a matriz energética dos próximos 30 anos. Não conhecemos quais modelos de negócios serão predominantes. Muitos desafios tecnológicos que ainda precisam ser superados para garantir a adoção de novas fontes de energia renovável em grande escala. Primeiro, a introdução bem-sucedida da geração de energia solar e eólica envolve desafios importantes para o setor elétrico em relação à segurança do abastecimento, pois são fontes de energia variáveis e não despacháveis. Para evitar o uso de combustíveis fósseis como complementação para fontes de energia renováveis, é necessário desenvolver soluções competitivas para armazenamento de energia, como baterias ou combustíveis renováveis líquidos ou gasosos.
Da mesma forma, o processo de transição energética no setor de transportes acarreta desafios econômicos e tecnológicos significativos. Enquanto os carros elétricos estão sendo introduzidos com sucesso em países desenvolvidos com redes de energia maduras, sua adoção em países em desenvolvimento de rápido crescimento é dificultada pelo baixo nível de desenvolvimento da rede de distribuição de energia elétrica. Da mesma forma, muitos desafios tecnológicos devem ser enfrentados antes que os produtos petrolíferos possam ser substituídos por energias renováveis em transporte pesado, marítimo e aéreo. Nesse sentido, os biocombustíveis avançados surgiram como uma alternativa relevante para a indústria de transportes que não gera riscos de sustentabilidade devido à crescente disponibilidade de possíveis fontes de suprimento a baixos custos.
A solução dos desafios energéticos mencionados acima tem potencial de criação de tecnologias energéticas disruptivas, o que cria um cenário tecnológico arriscado para os investidores, tanto nas fontes de energia tradicionais como nas renováveis. Assim, para promover a transição energética é necessário criar mecanismos para enfrentar a incerteza econômica e tecnológica que esta transição engendra.
Alguns aspectos são muito importantes para a enfrentar a incerteza econômica e tecnológica da transição energética e promover a segurança energética:
Desenho de uma política industrial e tecnológica para o setor de energia
Uma política industrial e tecnológica contribui para estabelecer visões e estratégias convergentes de investimento em inovação em meio às incertezas que envolvem o cenário de transição energética. Uma boa política deve contemplar mecanismos para estimular o investimento e disseminar tecnologias com potencial de ruptura e promover a atratividade de projetos com alto risco tecnológico. Esta será uma tarefa difícil já que o setor público reduziu seu papel no setor. Assim, a mudança da alocação de investimentos no setor dependerá de uma articulação entre setor público e privado, com vistas à redução dos riscos e custos na produção das energias renováveis.
O Estado tem um papel importante na aceleração das estratégias de inovação das firmas de mercado, apoiando a criação ecossistemas de inovação eficientes. A noção de ecossistemas de inovação emerge como mecanismos para promover a troca de conhecimento e de informação entre empresas, o setor público e outros atores relevantes de gerar processos de construção de soluções tecnológicas competitivas. Por esse motivo, as políticas públicas podem desempenhar um papel importante através da execução de instrumentos orientados a promoção de inovações e de incentivos para a dinamização de um ambiente de negócios inovativos num horizonte de longo prazo.
· Viabilização de novos modelos de negócios em energia
Os novos modelos de negócios aparecem como elementos chave para monetizar o valor criado pelas novas tecnologias e facilitar sua adoção. Nesse sentido, numerosos modelos de negócios têm surgido a raiz da difusão dos esquemas de geração distribuída (Distributed Energy Resources), com orientação para o empoderamento dos consumidores, além de outros sistemas inovadores capazes de fornecer eletricidade renovável em lugares com opções limitadas, tais como zonas sem conexão com a rede, ou, com grande densidade populacional.
Para que as empresas inovadoras possam testar novos modelos de negócios é importante que haja uma abordagem flexível e criativa da regulação setorial. Neste sentido, é importante que os órgãos reguladores sejam flexíveis e tolerantes com novas propostas de modelos de negócios. Estes modelos podem ser monitorados e avaliados visando a promoção de alterações necessárias no arcabouço regulatório.
· Desenho de regulações ambiciosas nos mercados de energia
Também, é importante avançar no desenho de regulações ambiciosas nos mercados de energia, adequadas à mudança de paradigmas que está ocorrendo no setor, caracterizadas pela crescente penetração de energias renováveis variáveis, para facilitar a geração de valor e fluxos de ingresso adequados. Nesse quesito, as políticas públicas precisam contemplar a implementação de instrumentos de incentivo à adopção de comportamentos flexíveis nos mercados atacadistas, por meio do aumento da granularidade no tempo e no espaço, e, pelo redesenho dos serviços de balanceamento.
Além disso, no novo contexto dos sistemas de energia, é importante contemplar medidas para recompensar de forma adequada as respostas do lado da demanda no mercado de varejo. Nesse sentido, existem práticas inovadoras emergindo em diferentes sistemas de energia que podem incentivar a flexibilidade, tais como a implementação de tarifas por tempo de uso, esquemas de cobrança liquida para o autoconsumo, ou a instalação de redes de geração distribuída em mercados atacadistas.
Colômbia é um país que possui um sistema energético moderno e complexo. Mas a elaboração de políticas setoriais que integrem os aspectos apresentados acima, requer a mobilização e articulação destas capacidades, de modo a criar uma verdadeira inteligência coletiva a serviço da política energética do país. A criação de um Instituto de Energia na Colômbia representa uma estratégia adequada para enfrentar o desafio de mobilizar as capacidades da comunidade energética colombiana em prol da articulação de propostas para uma política energética mais sofisticada para o país.
Referências
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